Tiago 1:1-4
A ideia de felicidade, na visão cristã,
é frequentemente mal interpretada no mundo moderno, muitas vezes sendo
confundida com um estado de ânimo passageiro ou com a ausência de problemas.
Contudo, o apóstolo Tiago propõe outra compreensão em sua carta; para ele,
bem-aventurança não é aquela que escapa das dificuldades, mas a que brota e
cresce exatamente quando a fé é testificada. A felicidade da aliança é
fundamentada na soberania de Deus e na providência divina, que dirige todas as
coisas para o bem de seus filhos, uma verdade já presente na Sagrada Escritura
e refletida nos Catecismos de Westminster, que falam sobre a obra de
sustentação e governo de Deus.
Tiago nos instrui: "Meus irmãos,
considerem motivo de grande alegria sempre que passarem por diversas
provações" (Tiago 1:2). Este mandamento, à primeira vista, pode soar
estranho, talvez até masoquista, para a mente humana. Contudo, não se trata de
uma exortação para buscar o sofrimento ou se deleitar na dor por si mesma. Ao
contrário, este é um convite para ter confiança profunda na providência divina.
É a certeza de que nada ocorre acidentalmente no universo de Deus; cada
tribulação, seja grande ou pequena, é controlada pela soberania de nosso Pai
celestial, que a permite e a usa para fins específicos e gloriosos. A alegria a
que se refere Tiago é a da fé que vê a mão de Deus em todas as circunstâncias,
sabendo que Deus é bom e que seus planos são perfeitos, mesmo que não sejam
compreensíveis aos nossos olhos.
O objetivo espiritual dessas provações é
transformador e progressivo. Tiago esclarece que a "prova da fé produz
perseverança" (Tiago 1:3). As dificuldades não são fins em si mesmas, mas
instrumentos divinos que testam e fortalecem nossa confiança em Cristo. Por
meio do cadinho da aflição que a fé é purificada e a perseverança é forjada, e
esta perseverança possui, por sua vez, um propósito ainda maior: "E a
perseverança deve ter obra perfeita, para que sejais perfeitos, e completos, e
em nada deficientes" (Tiago 1:4). Vemos aqui um processo progressivo –
provações levam à prova da fé, que gera perseverança, que culmina em maturidade
e integridade espirituais. Deus usa esses meios ordenados para a santificação
de seu povo, conformando-os mais e mais à imagem de seu Filho.
É fundamental confrontar essa alegria
cristã com a alegria circunstancial que o mundo proporciona. Enquanto a
alegria mundana é temporária, dependendo de condições favoráveis e se desfaz ao
enfrentar a adversidade, a alegria cristã provém de Deus, em sua pessoa e em
suas promessas, podendo coexistir com a tristeza, como Paulo teve o cuidado de
descrever: “entristecidos, mas sempre alegres” (2 Co 6:10). Sua fonte não se
encontra nas coisas passageiras, mas na esperança do futuro, da nossa plena redenção
e da certeza da presente «companhia» do Espírito Santo nos sustentando.
Não se trata de um otimismo cego, mas de uma sólida esperança teológica,
fundada na fidelidade de um Deus que já cumpriu suas promessas em Cristo e as
cumprirá integralmente no futuro.
Além disso, a perseverança em meio às
provações produz um forte testemunho de fé verdadeira e regeneração. Os
verdadeiros de Cristo não desistem sob a pressão; eles persistem. Esse conceito
está especialmente atrelado à doutrina reformada da "perseverança dos
santos", que diz que, na fidelidade de Deus, Ele preservará os seus
eleitos. Não é a nossa capacidade que nos preserva, mas, de forma ativa, o
poder do Espírito Santo em nós que nos dá forças para a resistência em Cristo,
assim dando testemunho da genuinidade da nossa fé e da obra de Deus em nós.
Diante do sofrimento, é comum cair em
dois extremos perigosos: o cinismo, que nos leva à desesperança, ou o
triunfalismo, que nega a realidade da dor e promove uma fé superficial. A
teologia reformada, com sua ênfase na "teologia da cruz", nos oferece
um equilíbrio salutar. Ela reconhece a dor real, a angústia legítima das
provações, mas simultaneamente nos capacita a ver a mão providencial de Deus
agindo em meio a tudo. Como Calvino disse, mesmo os maiores sofrimentos são
"escolas de sabedoria". Não ignoramos o sofrimento, mas o
abraçamos com a certeza de que Deus opera todas as coisas para nosso bem e para
sua glória, rejeitando igualmente o desespero e a superficialidade.
Finalmente, o que significa "não
lhes falte coisa alguma"? Tiago não está prometendo uma perfeição absoluta
ou uma ausência de imperfeições nesta vida. Antes, ele aponta para uma
completude espiritual, uma maturidade integral em Cristo. Significa que, por
meio do processo de provações e perseverança, o crente é equipado com tudo o
que é necessário para viver uma vida piedosa e frutífera. É uma suficiência
espiritual que nos torna aptos para o propósito de Deus, fortalecidos em
caráter e firmes na fé. Não é uma escassez de recursos terrenos, mas uma
abundância de virtudes celestiais.
A felicidade bíblica, portanto, não é
uma fuga da realidade, mas uma profunda imersão nela, com a perspectiva
transformadora da fé. É o fruto da sabedoria que discerne a mão de Deus, da
esperança que se ancora em suas promessas e da obediência perseverante que
caminha em seus caminhos. Ancorada na fidelidade inabalável de Deus e nas
promessas de seu pacto, essa alegria é robusta, duradoura e, em última análise,
plenamente satisfatória.
Rev. Liberato Pereira dos Santos
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